Nelly Lucero Lara, 28 anos e mestranda em Comunicação com foco em Pesquisas de Gênero, relembra como foi sua criação, dando pistas de como a formação machista ainda é algo forte no país. “Em casa, era proibido cortar o cabelo. Aos 13 anos, quando comecei a fazer juízo do que aquele costume representava, cortei eu mesma meu cabelo, bem curto. Lembro até hoje o espanto dos meus pais quando saí do quarto. Minha mãe gritava: ‘E se o seu cabelo não crescer nunca mais? Como fazemos?’”, relembra.
A mestranda nasceu na Cidade do México, a muitos quilômetros de distância de Ciudad Juárez, mas não escapou do machismo. Segundo Nelly, isso acontece porque esse comportamento está disseminado em nível nacional, e é apoiado por instituições sociais como a mídia. “Somos educados pela cultura da telenovela, que vende a figura da mulher como uma cuidadora e serva presa ao ambiente do lar. São personagens que trabalham na casa de um homem rico, como empregada doméstica, babá ou cuidadora de idosos. No final, casam com o homem da casa, geralmente seu patrão, e passam de serva para senhora, mas sem evoluir na sua condição social”, explica. Vide histórias de personagens como Maria do Bairro, Esmeralda, Mari Mar, Maria Mercedes e tantas outras que também fizeram sucesso na América do Sul, vindas da televisão mexicana.
A fala de Nelly se baseia nos estudos da antropóloga Marcela Lagarde y de los Ríos, um dos maiores nomes atuais em questão de feminismo no México e na América. A escritora defende que desde sempre foi imposto à mulher pertencer a cinco papéis sociais tradicionais: mãe-esposa, beata-freira, louca, presa e puta. Para cada papel social, a mulher estaria relacionada a uma instituição também tradicional: casa, Igreja, manicômio; prisão e rua; respectivamente. Logo, é condição histórica da mulher desempenhar qualquer um desses papéis, sendo que ser livre não era uma opção. Diz a autora em sua obra que a mulher é interpretada pela sociedade e criada como um ser social e cultural genérico, para “ser de alguém, de alguma coisa e para os outros”.
Além de acadêmica e pesquisadora, Marcela Lagarde foi militante do Partido Comunista, forte no México no século passado, e deputada entre os anos de 2003 e 2006. Durante seu mandato, lutou pelos direitos das mulheres no país. Foi ela quem passou a exigir a classificação de “feminicídio” para as mortes em Ciudad Juárez. Isso quer dizer que, antes de 2003, toda morte na cidade era tratada como violência generalizada, o que prejudicou a evolução de estudos e investigações sobre proteção à mulher. A pesquisadora e antropóloga Patrícia Catañeda, coordenadora de um dos grupos mais importantes sobre Feminismo na Universidade Nacional Autônoma do México, Unam, explica o porquê. “Feminicídio é uma soma de outras várias formas de violência. É um caso extremo aplicado a uma condição de gênero.” Em linguagem direta, “uma morte brutal contra uma mulher em resposta ao seu direito de ser mulher”.
Segundo Patrícia, já existem muitos estudos sobre os casos de violência extrema contra a mulher, mas o entendimento do conceito ainda é restrito. “O México é um país machista desde sempre, assim como toda a América. Isso quer dizer que o machismo não está ligado, necessariamente, ao feminicídio. Machistas existem no mundo todo, mas nem todos saem matando mulheres por aí. Seria muito superficial e ingênuo explicar o que se passa em Ciudad Juárez ou em qualquer outra parte do país por meio somente do machismo”, explica.
O próprio machismo é mais complexo do que imaginamos. É o que afirma Fanchesca Gargalo, também antropóloga da Universidade Nacional Autônoma do México e escritora de 23 livros sobre feminismo na América Latina. Para a pesquisadora, o machismo é um comportamento institucionalizado, herança de uma mentalidade colonial ainda forte na área latino-americana do continente. “Trazemos da época do colonizador europeu a ideia de uma sociedade que somente funciona no formato da família tradicional, em que o homem é o centro das relações e a mulher é apenas uma peça complementar a essa estrutura.”
Para Franchesca, o machismo da forma que existe no continente também é fruto de uma opção política. A pesquisadora relembra que as mulheres não votavam e não tinham voz na sociedade colonial. Não considerar a mulher como ser pensante era formar uma sociedade mais fácil de ser manipulada e com menos personagens sociais. “Para conter a massa de excluídos sociais, representados pela mulher, principalmente, a colonização colocou em prática uma educação baseada na violência”, afirma. “A violência com que grupos de narcotraficantes no México tratam mulheres na região de fronteira, por exemplo, é semelhante à maneira como os colonizadores tratavam as mulheres dessa terra 500 anos atrás”, compara.
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